sábado, 12 de março de 2011

Sectarização e Radicalização

Palavras de Paulo Freire:

A sectarização é sempre castradora, pelo fanatismo de que se nutre. A radicalização, pelo contrário, é sempre criadora, pela criticidade que a alimenta. Enquanto a sectarização é mítica, por isto alienante, a radicalização é crítica, por isto libertadora. Libertadora porque, implicando no enraizamento que os homens fazem na opção que fizeram, os engaja cada vez mais no esforço de transformação da realidade concreta, objetiva. A sectarização, porque mítica e irracional, transforma a realidade numa falsa realidade, que, assim, não pode ser mudada.” (FREIRE 2005)

paulofreire_cortezeditora A palavra “secto” do latim sectus significa cortado, cerceado, amputado. A sectura é um corte, uma incisão que separa duas partes. Dela vem sectário, aquele que segue uma das partes, que se aparta do todo, que vai atrás, que acompanha.

Por outro lado “radicar” (radicalizar) significa descer à raiz, ao fundamento que faz algo ser o que é. Radicalizar é descer à raiz genealógica de uma emergência que nos afeta, mesmo que essa descida fale muito mais de nós e da forma como vemos o mundo, do que do próprio objeto de estudo.

Fato é, também, que o radical muitas vezes é sectário. Ou seja, sua suposta descida à raiz se faz por apenas um dos lados. O sectário acredita ser radical, ao passo que o radical muitas vezes é sectário sem o saber. O que diferencia um do outro, talvez, seja que o radical esteja disposto a uma dialética entre várias descidas perspectivas daquilo que o afeta, ao passo que o sectário acredita deter a totalidade da realidade e se contenta apenas com uma única descida, que julga ser “a descida”; definitiva. Não há dialética para o sectário.

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quinta-feira, 10 de março de 2011

O Esclarecimento que nos Cabe…

Lembro aqui uma frase de meu amigo Anderson, com o qual tive a honra de estudar filosofia por dois anos memoráveis:

“Somos seres de interstícios, caminhando entre luzes e trevas…”

Umut_Kebabci1Na ocasião, extasiado pela profundidade do que ele disse, repliquei: “É aí que está a nossa dança, pois movimento constante; entre trevas e luzes, na penumbra, entre esclarecimento e cativeiro.

Se sabemos que uma luz total nos faria cegos, é no contraste, no interstício de luz e sombra que reside a permissão de delinear coisas e identificá-las naquilo que elas nos afetam. Talvez seja exatamente o que nos resta: delinear coisas naquilo que essas coisas nos afetam. Essa metáfora entre visão, luz e sombras parece ter sentido em Kant quando ele estabelece a estrutura racional a priori em nós, a qual não nos daria uma visão da totalidade do Ser. É no Não-Ser que conseguimos intuir o Ser, e como diria Sartre, na transcendência do fenômeno que a consciência intui as aparições infinitas que esse Ser possa ter.

O problema de Kant parece ser a concepção que, mesmo estando presos a uma estrutura racional limitada, tenhamos a capacidade de explorá-la totalmente até seus limites, através do que ele chama de Razão Pura. Para ele é esse o sentido, é esse o esclarecimento possível. Caminhamos em direção a uma luz explorando via razão as potencialidades dela própria naquilo que nossa racionalidade permitiria.

Só deixei de concordar com Kant quando comecei a ler sobre Fenomenologia. Husserl nos fala de uma consciência engajada, voltada a algo; intencional. É essa intencionalidade que nunca fará com que cheguemos a um total esclarecimento, pois a estrutura a priori que nossa razão possui é ferramenta e não fim em si mesma. Ela é meio, não modo. Fosse fim, a razão comandaria nossa consciência até seus limites apriorísticos e Kant estaria certo. Mas uma consciência engajada e voltada a um objeto é que “usa” nossa razão dentro de suas limitações.

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